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O que tu acha que ela disse?
O que tu acha que ela falou?
O que tu acha que ela falou?
Luiz Deschamps -Texto
O que tu acha que ela falou?
– “O amor é fodido”, ela gritou.
– ” O amor é bem fodido!!… E eu não li isso em nenhum livro.”
– Mas já tem…
– “Eu nunca li isso em nenhum livro.”
– Mas já foi dito. Já foi escrito. Já tem…
– ” Que se foda, então! Se já tem, já tem! O amor é fodido, o filho de uma puta. Sentimento filho de uma puta.” E enquanto falava, babava.
Babava de raiva.
Babava e escumava,
Babava e babava.
E era uma baba espessa.
Onde quer que ele pegasse,
era um visgo inconveniente, destituído de boas maneiras, sem maneira de se desgrudar.
Era uma baba movediça e pegajosa – lembrava esperma –,
bastava encostar um membro – o dedo, que fosse – e logo o visgo impedia o movimento;
logo o grude daquela baba condenava o descuidado à imobilidade.
Por um momento, levou o dedo médio ao clitóris e lá demorou-se um pouco, examinando, detalhe por detalhe, cada reentrância; dando um confere no Vale do Silício da luxúria,
jazida transitória de transistores e semicondutores que conduzem ao prazer.
Mas foi só um instante, tempo suficiente para ser notada.
Também ali foi devidamente registrada a existência de um organismo dotado de visgo ainda mais perigoso.
Também ali, nas Cordilheiras dos Andes daquela imensidão,
Uma armadilha mortal, uma ratoeira pegajosa aguardava os incautos.
Aqueles que andavam sem cautela costumavam cair na Cordilheira dos Andes.
Alguns despencavam lá de cima sem nem mesmo terem conhecido o monte Aconcágua
e seus 6 962 metros de prazer, de mistério e de altitudes.
A mão pousou por instantes, o suficiente pra ser notada.
Não é ser mirada, radiografada, admirada; por certo.
Mas é melhor que ser ignorada.
Estava esculhambada,
Detonada, arruinada, arrombada.
Mas babava, viva,
A sua raiva ainda mais viva.
Uivava, viva,
Por entre as ruínas daquele amor.
Não ligava as bombas sobre os tetos das crianças palestinas,
Ignorava o sangue infantil e senil das carnificinas;
A Índia, a Líbia, o Iraque, o Afeganistão, o Paquistão, então!
Não tinha razão,
Não tinha razão de ser.
Babava aquele amor, que era tudo que a consumia.
Uma chaga, um cancro, uma heresia.
Aquele amor de ferida purulenta,
Cercada do voo das varejeiras à espreita,
Prontas a avançar sobre a carne podre,
E sobre o pus,
Banquete melhor não existe.
Varejeiras do amor…
O amor no varejo,
Tapa, toque, beijo,
a granel e no varejo,
Tudo no mesmo realejo.